Sei que faz muito tempo que não escrevo aqui no blog, os motivos são diversos: correria do dia a dia, excesso de atribuições, mudança pessoal, doença na família, mas o importante é que agora estou de volta… Sei também que estamos em um momento delicado para as questões LGBT, por isso acho importante retornar com as atividades do blog… Vou compartilhar com vocês um text de superação de uma mãe… vocês devem lembrar que também coordeno (com a ajuda de diversas mães incríveis) o projeto PAPPADIS, da Comissão de Direito Homoafetivo – CDHO da OAB/RJ e no final do ano passado recebi um depoimento de uma mãe que havia participado por quase dois anos das nossas reuniões quinzenais (vou chamá-la de “mãe colorida” para preservar sua identidade) que me deixou mega feliz e por isso divido com vocês… é um textão mas vale a pena, vamos lá…
Antes de tudo minha eterna gratidão a “mãe colorida” por ter confiado em nós as mães que integram o projeto…🌈❤️
Mãe colorida:
“Bem, estou aqui para falar o que significou o PAPPADIS na minha vida.
No dia 10 de dezembro de 2016, meu único filho, que havia acabado de fazer 21 anos, deixou aberto para impressão no computador do meu marido 2 convites para a “Festa dos Homossexuais” no nome dele.
Era um sábado de manhã, quando eu acordei e fui até o escritório, meu marido estava à frente do computador, pela cara dele, eu logo perguntei o que estava acontecendo, e então ele me mostrou o que estava na tela.
Esperamos que meu filho acordasse, perguntamos a ele o que significava aqueles convites. No primeiro momento ele negou, e depois disse que ele era homossexual e que ele era a mesma pessoa, que não foi uma escolha para a vida dele, mas que era assim, que ele entendia que nós precisaríamos de um tempo para poder aceitar.
Naquele momento, a primeira coisa que a gente falou para ele foi: “o que importa é que você seja feliz”. Esse é o discurso de todos os pais, a gente quer que o filho da gente seja feliz. Mas de verdade, quando uma coisa dessas acontece na sua vida, a gente passa por uma prova, para saber se o discurso que a gente tem como pai é verdadeiro.
Muitas coisas acontecem e passam pela cabeça da gente nesse momento: a primeira delas, é que a gente não vai ser capaz de suportar. O mundo do jeito que eu conhecia se desmoronou e que a gente vai ter que passar a ver o mundo de uma outra forma, mais aberta e inclusiva.
Eu sou arquiteta e convivi com muitos homossexuais ao longo da vida e sempre respeitei todos, isso nunca foi uma questão para mim. Uma pessoa ser homossexual nunca foi um problema. Racionalmente, isso acontecia na minha vida de forma tranquila. No entanto, quando isso se torna uma realidade, você percebe que o “buraco é muito mais embaixo”. De repente, você se dá conta que o mundo do jeito que você conhecia, não é exatamente daquele jeito, que ele mudou, ou terá que mudar para incluir um universo que era distante na sua vida, mas que a partir de agora, passará a pertencer ao seu universo, porque o seu filho está nele e você não quer perder o seu filho.
O turbilhão de sentimentos que explodem dentro da gente se dá 25 horas por dia. O primeiro deles era a necessidade de proteger meu filho do mundo e em seguida, de proteger a relação dele com meu marido e ao mesmo tempo, amparar meu marido nesse momento tão difícil para ele como homem, e incentivar a continuidade da relação dele com o filho, para que ela continuasse da mesma forma.
Pai e mãe são diferentes, para um pai homem, aceitar um filho gay deve ser muito difícil porque é um universo desconhecido, e não é nada parecido com o que você esperava que fosse acontecer, dentro da sua própria perspectiva masculina, até o momento vivida e conhecida. Para mãe, eu imagino que talvez seja menos complicado, porque não é o mesmo sexo que o seu e além de tudo, mãe é mãe.
Num primeiro momento, eu me preocupei muito com o meu marido, muitas coisas passam pela nossa cabeça: “O que eu fiz de errado? O que eu deveria ter feito diferente? Será que eu vou conseguir? ”. Aí você começa a pensar nas pessoas e a gente sente vergonha. A sensação é de que o mundo acabou, que você morreu. Eu me sentia como a pessoa que tinha toda sua felicidade roubada pelos dementadores nos livros do Harry Potter. Eu fiquei oca, vazia, seca, negra, não havia nenhuma luz ou cor dentro de mim. Eu me senti morta com os olhos abertos. Havia uma dor incomensurável dentro do meu coração que ocupava todo o meu corpo, numa intensidade indescritível e parecia que nunca mais eu voltaria a sorrir, a ver graça nas pequenas coisas da vida e muito menos, que eu voltaria a me sentir feliz novamente.
Essa dor me lembrava a cada segundo, tudo o que meu filho iria sofrer, pelo deboche que eu sabia que ele seria alvo e objeto vindo das muitas pessoas que ainda hoje se sentem no direito de escarnecer de quem não é seu igual ou mesmo daquilo que não conhece. Eu sabia que esse deboche o acompanharia pelo resto da vida, pelas piadas, por tudo. E por mim também. Eu não fazia ideia de como eu iria resolver isso dentro de mim, porque uma coisa é o que está na cabeça (razão) e a outra é o que está no coração (sentimento). Fazer o coração e a cabeça se comunicarem e seguirem na mesma direção, é muito fácil na teoria, mas na prática, é um caminho longo.
Eu passei alguns bons dias onde eu só usava preto, eu estava de luto, eu não tinha cor, porque aquele filho do jeito que eu conhecia no meu mundo binário até aquele dia, havia morrido, e eu não tinha ideia do que eu tinha que fazer. Para mim era óbvio que eu não queria o meu filho longe de mim, eu não queria perde-lo, mas para mim essa história era um livro de muitas páginas que eu não tinha a mais pálida ideia do que eu iria encontrar dentro. E foi aí que aconteceu o PAPPADIS.
Eu tive a boa sorte de conversar com minha prima, que foi FUNDAMENTAL com seu apoio e carinho nesse primeiro ano de travessia, e foi ela quem me falou sobre a Marcia, sobre o blog do Beija Flor e sobre o PAPPADIS.
Eu tinha absoluta certeza que eu não queria fazer terapia, porque nenhum terapeuta que não tivesse calçado os mesmos sapatos que eu estava usando naquele momento seria capaz de alcançar a miríade de sentimentos, emoções e a dor que transbordavam dentro de mim. Com todo o respeito que eu tenho aos terapeutas, até porque já tive alguns muito queridos, mas o fato é que a gente não tem ideia da dor do outro, até que ela acontece com você. A teoria é uma coisa, e a realidade é completamente diferente.
Entrei em contato com a Marcia por e-mail e fui informada que o PAPPADIS só voltaria a se reunir em fevereiro, já que era dezembro, perto do Natal. Fevereiro para mim, representava um túnel sem perspectiva de fim ou luz. Passei um zap para Marcia e perguntei se ela poderia conversar comigo antes da reunião.
Não tenho palavras para descrever a generosidade, disponibilidade, acolhimento e o carinho recebido naquela tarde inteira de um sábado, quando nos encontramos para tomar um café e conversar. Este encontro para mim, foi o início de um caminho. Ele me trouxe luz, porque quando a Marcia contava sobre a experiência de vida dela com a filha, eu ouvia e eu tinha a impressão de que eu estava ouvindo a minha história da minha casa, do meu filho sendo brilhantemente contada por alguém que não era eu mesma. Ela falou sobre o afastamento, sobre a porta do quarto fechada, enfim, sobre várias situações que se repetiram comigo, na relação mãe-filho.
Em fevereiro eu fui à minha primeira reunião do PAPPADIS, onde estavam várias mães presentes, e cada uma contou a sua história. Naquela primeira reunião, eu ouvi muito. E você ouvir outras mães, cada uma contando sua história, cada uma falando da sua dor e o caminho trilhado para poder superar isso, muito mais do que meras historias, é você ver que todas elas haviam passado pelo momento em que eu me encontrava e que seguiram suas próprias vidas, continuaram a ser pessoas que tinham desejos, sonhos e que conseguiam ser felizes a partir do primeiro momento de dor.
Então, o PAPPADIS representou para mim a esperança. A esperança que um dia eu pudesse ser como elas, estar no lugar em que elas estavam hoje também. E isso pra mim foi muito, muito, muito importante. Foi como se elas tivessem me mostrado que havia luz no fim do túnel. E assim aconteceu. O grupo se reunia a cada 15 dias, eu aguardava ansiosamente pelas reuniões, eu compartilhava minhas evoluções, eu guardei algumas frases que eu ouvi de conversas que elas tiveram com seus respectivos filhos para usar num momento pertinente. Nesse grupo de mães eu me senti profundamente acolhida, não havia julgamento. É tão difícil eu traduzir em palavras como me senti bem frequentando esse grupo, como esse grupo representou para mim um caminhar em direção a uma vida positiva, uma renovação, mas eu posso dizer que nesse um ano em que estivemos juntas, eu de verdade acredito que o PAPPADIS foi um presente na minha vida, colocado no momento exato por Deus, para que eu pudesse passar por esse caminho, por essa fase de transição e aprendizado, e que eu tenho plena consciência que está longe de acabar.
Mas eu acredito que eu caminhei bastante, que a velocidade com que eu caminhei foi enorme graças ao fato de poder contar com o apoio e suporte das mães desse grupo. Eu tenho profunda e imensa gratidão, a cada uma das mães e também à Bia que é a psicóloga do grupo, por terem me dado a mão e me ajudado a caminhar, a trilhar esse caminho novo, que só pessoas muito especiais são colocadas nele. Porque nós precisamos ter muita força, muita perseverança, muita esperança, e ainda precisamos desejar um mundo melhor para nossos filhos, lutar por ele e fazer por onde.
É isso. Obrigada, PAPPADIS, do fundo do meu coração.”
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